Atitude de indignação


Pedagogia da Indignação é o título do livro publicado pela editora da Unesp em 2000 em que constam os últimos escritos de Paulo Freire antes de sua morte, ocorrida em 1997. Trata-se de um conjunto de Cartas Pedagógicas que estava escrevendo e de outros escritos que foram reunidos por Ana Maria Araújo Freire e que deu o formato da publicação. Na terceira carta pedagógica, Paulo Freire trata “Do assassinato de Galdino de Jesus dos Santos – Índio pataxó” praticado por 5 jovens no dia 20 de abril de 1997. Os jovens colocaram fogo no índio enquanto ele dormia em uma parada de ônibus na Avenida W3 de Brasília. Quando os jovens foram presos alegaram que não sabia que se tratava de um índio e que só queria fazer uma brincadeira. 

“Que coisa estranha”, reflete Freire, “brincando de matar, tocaram fogo no corpo do índio como quem queima uma inutilidade, um trapo imprestável”. Na ocasião, já se passaram 20 anos do acontecido, houve uma indignação geral que ganhou as páginas da imprensa nacional e internacional. Na lucidez de Freire, uma oportunidade para pensarmos nosso modo de vida, nossa dignidade, nossos valores, nosso sistema educativo. “É possível que na infância”, reflete Freire, “esses malvados adolescentes tenham brincado, felizes e risonhos, de estrangular pintinhos, de atear fogo no rabo de gatos pachorrentos só para vê-los aos pulos e ouvir seus miados desesperados, e se tenham também divertido esmigalhando botões de rosa nos jardins públicos com a mesma desenvoltura com que rasgavam, com afiados canivetes, os tampos das mesas de sua escola. E isso tudo com a possível complacência quando não com o estímulo irresponsável dos pais”. 

As reflexões de Freire nos ajudam a pensar que não se pode construir um país decente se não tivermos a coragem e a determinação de educar as novas gerações com o senso de responsabilidade e respeito com os outros, independentemente de sua condição social, étnica, sexual ou cultural. Pedagogia da indignação se traduz aqui como a postura desacomodada de quem não cruza os braços diante da barbárie que acontece quando tratamos os outros com crueldade, com desrespeito, com humilhação. E isso começa em casa, na escola, na convivência diária. 

 

Na avaliação de Freire, “desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher não estaremos ajudando nossos filhos a serem sérios, justos e amorosos da vida e dos outros”. Um profundo e imprescindível desafio educacional de nosso tempo que não pode ser negligenciado se quisermos construir uma sociedade decente para nós e para as futuras gerações.