Por que tantos pobres?


 

A menina pergunta entre todos, na grande sala de aula do Ana Jobim em Porto Alegre: “porque a gente é pobre?” Não esqueço esta pergunta seca e existencial. Eu tinha dezessete anos. “Contei na hora a historinha do navio, cheio de pessoas negras vindos da África para trabalhar de graça para plantar cana, cavar ouro e minérios e na indústria da cana e do café. Os donos compravam as pessoas oferecidas na praça e estas tinham que trabalhar dia e noite, sem salário e viviam nas varandas, onde ganhavam comida suficiente para trabalhar. Não tinha escola, não sabiam nem ler e escrever. Não podiam votar e não tinham terreno ou casa.  Morriam pobres e sem herança. Nem eles se conheciam. Assim por trezentos anos. E tem muitas histórias de lutas, fugas, mortes e castigos. A metade do mundo é muito pobre hoje. Poucos tem demais e a maioria tem de menos ou nada. Continuo lendo sobre a escravidão de então e de hoje, aqui e no mundo. Quando terminou a escravidão pública que sustentava tudo, então abriram para vir imigrantes da Europa. E estes vieram sem nada e tiveram que se virar com tudo. Todos eram pobres. A Igreja então organiza escolas, comunidades, ambulatórios e até hospitais. Na década de sessenta passada, as crianças pobres não iam a escola porque não tinham registro civil, que custava vinte e cinco por cento do salário mínimo. Lembro das campanhas de registros civis de mais de trezentas crianças ou mais e encher escolas, tirando elas das ruas, e não tinha merenda escolar. A pobreza de hoje vem de longe. Hoje as guerras produzem violência e morte, pobreza e miséria. Produzem migrantes pelo mundo inteiro. A pergunta da criança de então continua na criança de hoje e sempre. A pobreza de hoje não começou lá atrás? E agora?