As armas e o cristianismo
Gerou polêmica no Brasil a afirmação do presidente da República de que Jesus “não comprou uma pistola porque não tinha naquela época”. A declaração ocorreu num encontro com religiosos, no dia 15/6/2022, após um pastor ter feito referência a um versículo de Lucas (Lc 22, 36), no qual Jesus recomenda aos discípulos venderem as vestes para adquirirem espadas. As duas locuções (a do pastor e a do presidente) buscam legitimar a política do armamento em curso no país, sugerindo que ela está ancorada numa recomendação do próprio Nazareno. Estranha a justificação; e estranha a agenda das armas numa conversa do mandatário da nação com pastores evangélicos. Os interesses da indústria armamentista e dos importadores de armas devem soar muito fortes nos corredores do Palácio do Planalto. Recebem a sua parte também aqueles que desejam regar o milicianato e a contravenção com armas legalizadas, porém não controladas. Interesses benfazejos e defensáveis não há nessa escalada das armas, pois, para qualquer juízo racional, ela torna a segurança pública mais instável e, sob o ponto de vista da atividade policial, mais perigosa. As estatísticas mostram que o aumento das armas em circulação faz aumentar o número de homicídios em geral e os provocados por armas de fogo, em particular.
Sob o ponto de vista teológico, as citadas locuções corrompem e confrontam a essência do cristianismo. Mesmo que houvesse pistolas no tempo de Jesus, ele jamais seria um pistoleiro. Não usaria pistolas como não usou nenhuma das armas, então, disponíveis, pois a sua mensagem era de paz, de perdão, de misericórdia. Sua prática foi coerente com a sua pregação, padecendo, por isso, os efeitos extremos da injustiça e da maldade: acusações falsas, julgamento parcial, tortura, crucificação. A interpretação que o pastor faz do referido versículo de Lucas, como sendo um mandamento em favor das armas, é flagrantemente herética. Não guarda nenhuma relação com o discurso evangélico que está sintetizado no Sermão da Montanha (Mt 5 e Lc 6, 20-38), onde Jesus destina as bem-aventuranças, entre outros, aos mansos, aos misericordiosos e aos que promovem a paz. Além disso, manda amar os inimigos e oferecer a outra face. Não é possível acomodar nenhuma arma na arca onde está o Novo Testamento.
É irônico perceber que o pensamento conservador e de extrema direita que se pretende defensor da civilização cristã seja o mesmo que destrói o cristianismo por dentro, invertendo a sua mensagem, corrompendo seus valores, negando seus mandamentos. É antievangélico tudo o que promove a guerra, a violência, a vingança, o ódio, a mentira... o que é indiferente à fome, ao sofrimento, à morte. Os cristãos precisam andar vigilantes para não seguir falsos profetas e não ocupar o posto de quem levou Jesus ao calvário ou que bateu palmas no seu julgamento e ao longo de sua via-crúcis.