Aprender com os próprios erros


Aristóteles já dizia nas primeiras páginas de sua famosa Metafísica que todo homem deseja conhecer. Esse pressuposto que marca toda a história da filosofia, dos gregos até nossos dias, também é um elemento fundamental da educação. O ser humano é um ser aprendiz, e nisso consiste sua grandeza, seu diferencial com relação aos outros seres. Mas o que significa aprender com os erros nos tempos atuais? O que precisamos saber para nos situar num mundo complexo e plural como o nosso? O que precisamos aprender para desenvolvermos nossa inteligência? De que forma a filosofia pode nos ajudar a aprender com os erros?

 

Roger Shank, um importante cientista da computação e reconhecido psicólogo cognitivo americano, em um de seus escritos sobre o repertório científico do mundo que nos cerca, destacou três requisitos fundamentais para que alguém possa ser considerado um inteligente aprendiz: propor e resolver problemas; aprender com os próprios erros; direcionar o próprio aprendizado. Os três indicativos de Shank nos remetem diretamente a aprendizagem com os erros.

 

Nunca imaginei que pudesse existir uma ciência do erro, mas ela existe e se chama “errologia”. Em seu livro Por que erramos?, (traduzido para o português em 2011), a jornalista e escritora Kathryn Schulz realiza um excelente trabalho de investigação sobre a importância do erro para os processos de aprendizagem e para uma vida de tolerância. O erro é constitutivo do humano, porque é dessa forma que nos tornamos mais abertos e aptos a praticarmos nossa ignorância. E praticar nossa ignorância significa praticar nossa inteligência, nossa imaginação, criatividade, intuição e um conjunto de habilidades cognitivas e afetivas que são ativadas quando nos dispomos a aprender com os erros.

 

Há mais de 40 anos o reconhecido epistemólogo inglês Karl Popper declarava em uma de suas conferências publicada no livro A lógica das ciências sociais (1978) que “conhecemos muito. E conhecemos não só detalhes de interesse intelectual duvidoso, porém, coisas que são de uma significação prática considerável e, o que é mais importante, que nos oferecem um profundo discernimento teórico, e uma compreensão surpreendente do mundo”. No entanto, adverte Popper (1978, p.13), “nossa ignorância é sóbria e ilimitada”, pois a cada problema que resolvemos, a cada nova descoberta, nos damos conta que “todas as coisas são, na verdade, inseguras e em estado de alteração contínua”. É a consciência da ignorância que nos impulsiona a conhecer mais, pois dar-se conta dos erros e aprender com eles pode nos ajudar a avançar na trajetória do conhecimento.

 

Infelizmente a cultura escolar tem prestado pouca atenção a esse ensinamento que pode surgir dos erros e da capacidade de construir conhecimento a partir deles. De fato, nossos sistemas tradicionais de avaliação dificilmente possibilitam um olhar construtivo do erro. A “errologia” nos lembra que fracassar pode se tornar muito mais importante que o êxito e que punir o erro é punir a forma humana de aprende. Como nos lembra de forma instigante Gabriel Perissé em seu artigo “A errologia é infalível”, publicado na Revista Educação nº 182, “a resposta certa limita-se a colaborar o que já se sabe”; quem erra, no entanto, está em nítida vantagem, pois está prestes a aprender algo que o estudante nota 10 tem menos condições de aprender, ele já acertou tudo o que tinha de acertar.

 

Se estudarmos a história da ciência de forma cuidadosa, perceberemos que o seu progresso e avanço decorrem muito mais dos seus erros, do que seus acertos. Os grandes inventores e mesmos as grandes tradições de pesquisa, conseguiram realizar avanços porque souberam aprender com os erros. Como diz Gabriel Perissé no artigo já mencionado, “o errologista é um otimista, pois defende o princípio de que, errando, contribuímos para a nossa evolução intelectual e emocionar”.

 

A propósito disso, tem razão o reconhecido estadista americano Benjamin Franklin quando dizia que os erros da humanidade foram muito mais úteis do que as verdades uniformes e estreitas. Os erros são infinitamente variados e desafiadores. Aprender com os erros implica necessariamente numa arte: a arte de ver oportunidades onde a maioria prefere ver fracasso.