Admirável SUS
No final da década de sessenta, não havia SUS ou Sistema Único de Saúde. Cada um pagava o seu, como consulta, exames, procedimentos... As farmácias anotavam em caderno e/ou vales. E circulava pouco dinheiro. Lembro nossa gente pobre e doente do interior, das vilas e cidades, como tudo era mais difícil para tratar: olhos, gripes, febres, garganta, dores lombares e digestivos. Lembro nossas farmácias populares, chás e ervas caseiras, quando se trazia para a missa e apresentava o que era bom para olhos, nariz, garganta, estômago, rins, pâncreas, varizes e sangrias. O padre benzia e levava para os doentes. Minha mesa sempre estava cheia de listas de adesão para cirurgia, para remédios, para consultas médicas e outras rifas para ajudar pessoas. A doença levava seus parcos rendimentos. Quando eu era padre novo, pedia para trazer água e traziam, mas, olhando, não tinha água igual: uma mais suja que a outra. Foi aí que nos damos conta que muita doença dependia da água em casa. Ir benzer a casa, mas não raro, tinha que tirar sapato, arregaçar as calças e entrar no pocinho para limpá-lo, fazer cerquinha em redor para as galinhas, os patos, marrecas, perus e porquinhos não entrarem nas águias de beber. Depois de limpo e fechado, colocava um quilo de sal grosso. E diziam que a gente fazia milagre. E, aos poucos, lembro, o Sus foi surgindo e cobria alguma coisa, vinha algum remédio e alguma consulta. Tínhamos benzedeiras em todos os lugares, as reunia e orientava, benzia seus caprichos e devoções e na missa da saúde, sempre muito concorrida, elas faziam parte da distribuição dos chás e remédios caseiros. Surgiram outros grupos do “Jesus cura tudo”. Hoje, cinquenta anos depois, tudo mudou. Algo sempre falta, mas temos o admirável SUS.