A inaceitável desvalorização da educação gaúcha
No centenário do nascimento de Paulo Freire, o mais respeitado e reconhecido educador brasileiro no exterior, comemorado no último domingo, 19, temos, enquanto sociedade, muito a refletir sobre o papel da educação, seu caráter transformador, público, universal e enquanto direito e obrigação do estado. Patrono da educação brasileira, título que vem sendo atacado por hordas radicais de extrema-direita com o intuito de colocar em dúvida a importância de suas teses e práticas, Paulo Freire continua sendo o nome mais citado em trabalhos acadêmicos elaborados em universidades do mundo inteiro quando o assunto é educação e alfabetização. É dele a frase que talvez sintetize uma explicação para tanto ódio que alguns segmentos insistem em alimentar e a ligar ao seu nome e legado, como se ele fosse o responsável, e não os governos, pela má qualidade do ensino brasileiro quando comparado com outras nações. Segundo ele, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.
E não investir no treinamento e qualificação de professores e professoras, em escolas com qualidade em termos de estruturas físicas e reconhecimento e salários dignos a quem leva a educação aos nossos filhos e netos é a fórmula empregada para que o povo, principalmente nossos jovens, não pensem, não reflitam, não tenham consciência dos seus direitos, não entendam de fato o que é ter cidadania.
E isso me veio à mente quando votamos na Assembleia Legislativa, no último dia 14, um projeto do governo concedendo minguados 8% de reajuste do vale-refeição aos professores e demais servidores estaduais, enquanto só a cesta básica teve um aumento de 28% no mesmo período. Nossa bancada chegou a apresentar uma emenda à matéria, com uma reposição mais justa, acreditando haver alguma sensibilidade junto aos partidos apoiadores do governador Eduardo Leite. Mas em plenário os argumentos, por mais racionais que sejam, são suplantados pela vontade de quem tem mais votos. E assim nossa proposta sequer foi apreciada.
Os trabalhadores públicos, especialmente os professores, cujos salários figuram entre os menores pagos pelo estado, estão há quase oito anos sem a reposição sequer da inflação, sendo que em boa parte desse período o pagamento ocorreu com atraso. O último reajuste digno foi concedido no governo de Tarso Genro, 76,6 % pagos em parcelas como forma de aproximar os holerites do piso nacional da educação.
Anos atrás, quando visitava uma escola sentia nas pessoas a esperança de tempos melhores, um olhar no futuro de que haveria uma progressão na carreira, um sentimento de que havia condições de continuarem dando aula aos nossos filhos e netos com determinação. Hoje, o que vemos é uma frustração generalizada, de que foram e continuam sendo relegados a um último lugar pelos gestores que foram eleitos justamente para nos tirar desse triste quadro. Vejo um magistério doente, sem reconhecimento e sem condições de trabalho, em escolas deterioradas e sem que haja uma política de recuperação das unidades. Isso é inaceitável.
Para Paulo Freire, o sistema não teme o pobre que tem fome. Teme o pobre que sabe pensar. E talvez isso explique muita coisa aqui no RS.