A construção de cidadãos democráticos


 

Platão (427-347 a.C.), talvez tenha sido o mais famoso discípulo do mais famoso dos mestres do Ocidente (Sócrates). Ao colocar seu mestre como principal personagem da maior parte dos seus escritos (Diálogos), talvez tenha elevado ao mais alto grau a admiração de um discípulo para seu mestre. Saberíamos muito pouco de Sócrates se não fosse Platão e aqui vai um dos primeiros e grandes ensinamentos pedagógicos que podemos ter desta relação: não existe um grande pensador sem um grande mestre. 

O estilo dialogado, refletido e questionante que Platão imprimiu em sua obra inaugurou uma forma de fazer filosófico e pedagógico válido até os dias de hoje. Estudos revelam que o diálogo não é somente uma estratégia pedagógica eficiente, mas acima de tudo é um princípio educativo de altíssima grandeza. Isso nos leva a dizer que se quisermos ter êxito na construção de cidadãos inteligentes, críticos, criativos e democráticos, devemos ter o diálogo como elemento fundante e fundamental do fazer pedagógico. É perceptível a forma de ser de estudantes que passaram por processo educativos autoritários e estudantes que tiveram em sua formação a prática dialógica. E estou me referindo não somente a escola, mas também e, principalmente, no ambiente familiar. Criar filhos e alunos autônomos, responsáveis é críticos implica, necessariamente, educá-los dialogicamente.

Como ressalta com propriedade meu amigo Jayme Paviani em seu livro Platão e a educação, “o diálogo das ruas e dos tribunais não é o mesmo diálogo elaborado como gênero literário”. De fato, a conversação, espontânea ou conduzida dentro das características da boa civilidade e da normalidade da vida social, possui muitas características que o texto escrito dificilmente pode reconstruir, pois “a oralidade funda a comunicação direta, o escrito consolida a expressão”. A advertência de Paviani nos ajuda entender que diálogo não é simples conversa, não é o que o senso comum produz espontaneamente. Diálogo implica confronto de pensamento, cuidadoso exame do que é dito, das implicações que isso representa na expressão de uma ideia. 

A defesa do diálogo é importante e crucial, pois possibilita a construção de cidadãos democráticos. Como diz Paviani, “a grande lição do diálogo está em permanecer inconcluso. É mais importante esclarecer os diversos aspectos ou elementos de um problema do que resolvê-lo”. Dos diálogos promovidos por Sócrates pelos escritos de Platão veremos que o diálogo termina com o convite para aprofundar o problema numa próxima ocasião. O inacabamento exige do participante uma atividade interior, de autoanálise, de testar suas próprias convicções no confronto com as visões dos outros. Isso evita formar (ou “deformar”) pessoas dogmáticas, “donas da verdade”, autoritárias e propensas a impor seu ponto de vista porque acreditam que seu pensamento é o melhor e único. 

 

Em tempos como os que estamos vivendo no presente, onde impera um forte traço autoritário na forma maniqueísta de pensar a política e a própria educação, o diálogo se apresenta como um candidato importante para pensar nossas relações. Nunca o diálogo se tornou tão necessário e nunca o diálogo esteve tão ausente na forma como estão sendo conduzidas as importantes decisões do presente e do futuro. Importante ressaltar que o diálogo não tem cor ideológica e nem partido político. Ele pode ou não se tornar parte da forma como conduzimos nossas relações e como orientamos a formação das futuras gerações. É por isso que a leitura e o estudo de Platão continua sendo um potencial inesgotável para pensarmos os desafios educacionais do presente e do futuro.